26 novembro 2009

O Caderno de Saramago

Diante das manifestações que se estão preparando em toda a Europa, de protesto contra o desemprego, escrevi, a pedido de um grupo de sindicalistas, o texto que a seguir se reproduz.

Não ao Desemprego

A gravíssima crise econômica e financeira que está convulsionando o mundo traz-nos a angustiante sensação de que chegamos ao final de uma época sem que se consiga vislumbrar o que e como será o que virá de seguida.

Que fazemos nós, que assistimos impotentes, ao avanço esmagador dos grandes potentados econômicos e financeiros, loucos por conquistar mais e mais dinheiro, mais e mais poder, com todos os meios legais ou ilegais ao seu alcance, limpos ou sujos, regulares ou criminais?

Podemos deixar a saída da crise nas mãos dos peritos? Não são eles precisamente, os banqueiros, os políticos de máximo nível mundial, os diretores das grandes multinacionais, os especuladores, com a cumplicidade dos meios de comunicação social, os que, com a soberba de quem se considera possuidor da última sabedoria, nos mandavam calar quando, nos últimos trinta anos, timidamente protestávamos, dizendo que não sabíamos nada, e por isso nos ridicularizavam? Era o tempo do império absoluto do Mercado, essa entidade presunçosamente auto-reformável e auto-regulável encarregada pelo imutável destino de preparar e defender para sempre e jamais a nossa felicidade pessoal e coletiva, ainda que a realidade se encarregasse de desmenti-lo a cada hora que passava.

E agora, quando cada dia aumenta o número de desempregados? Vão acabar por fim os paraísos fiscais e as contas numeradas? Será implacavelmente investigada a origem de gigantescos depósitos bancários, de engenharias financeiras claramente delitivas, de inversões opacas que, em muitos casos, mais não são que massivas lavagens de dinheiro negro, do narcotráfico e outras atividades canalhas? E os expedientes de crise, habilmente preparados para benefício dos conselhos de administração e contra os trabalhadores?

Quem resolve o problema dos desempregados, milhões de vítimas da chamada crise, que pela avareza, a maldade ou a estupidez dos poderosos vão continuar desempregados, mal-vivendo temporariamente de míseros subsídios do Estado, enquanto os grandes executivos e administradores de empresas deliberadamente conduzidas à falência gozam de quantias milionárias cobertas por contratos blindados?

O que se está a passar é, em todos os aspectos, um crime contra a humanidade e desde esta perspectiva deve ser analisado nos foruns públicos e nas consciências. Não é exagero. Crimes contra a humanidade não são apenas os genocídios, os etnocídios, os campos de morte, as torturas, os assassinatos seletivo, as fomes deliberadamente provocadas, as contaminações massivas, as humilhações como método repressivo da identidade das vítimas. Crime contra a humanidade é também o que os poderes financeiros e econômicos, com a cumplicidade efetiva ou tácita de os governos, friamente perpetraram contra milhões de pessoas em todo o mundo, ameaçadas de perder o que lhes resta, a sua casa e as suas poupanças, depois de terem perdido a única e tantas vezes escassa fonte de rendimento, quer dizer, o seu trabalho.

Dizer “Não ao Desemprego” é um dever ético, um imperativo moral. Como o é denunciar que esta situação não a geraram os trabalhadores, que não são os empregados os que devem pagar a estultícia e os erros do sistema.

Dizer “Não ao Desemprego” é travar o genocídio lento mas implacável a que o sistema condena milhões de pessoas. Sabemos que podemos sair desta crise, sabemos que não pedimos a lua. E sabemos que temos voz para usá-la. Frente à soberba do sistema, invoquemos o nosso direito à crítica e ao nosso protesto. Eles não sabem tudo. Equivocaram-se. Enganaram-nos. Não toleremos ser suas vítimas.

José Saramago

I Encontro Mineiro dos Atingidos pela Vale

No dia 28 de novembro será realizado em Belo Horizonte o I Encontro Mineiro dos Atingidos pela Vale. A proposta desta atividade é reunir e dar voz às comunidades afetadas pela Companhia Vale do Rio Doce em Minas Gerais.

A Vale iniciou suas atividades no Brasil e hoje é a responsável por um legado de destruição social e ambiental registrado em vários municípios de Minas Gerais. Os bens naturais disponíveis no estado e a exploração da mão-de-obra são as fontes da riqueza dessa empresa que está presente nos cinco continentes do mundo. Os resultados dessa ganância são os graves impactos identificados sobre o meio ambiente e a vida das pessoas.

Progresso econômico para os municípios, geração de emprego, responsabilidade social e desenvolvimento sustentável fazem parte da campanha publicitária vinculada pela empresa para convencer comunidades e trabalhadores a aceitarem a mineração, mas o que a realidade comprova é a acentuação de conflitos sociais, econômicos e ambientais que modificam a qualidade de vida das pessoas.

As desapropriações forçadas, a terceirização com as perdas dos direitos trabalhistas, os constantes acidentes de trabalho, a contaminação e o rebaixamento do lençol freático e a perda da biodiversidade são exemplos de degradações ocasionadas pela mineração.

Apesar das demissões ocorridas entre 2008 a 2009 sob o argumento da crise econômica mundial, a empresa segue com os pedidos de licenciamento ambiental - mantendo altos investimentos - para abrir novas lavras em locais ainda preservados como é o caso da mineração pretendida na Serra da Gandarela, contribuinte do abastecimento de água da Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Desde a privatização ocorrida em 1997, trabalhadores e comunidades vêm sendo prejudicados pela ganância desta grande empresa capitalista. Os bens naturais do solo brasileiro devem ser patrimônio do povo e não dos acionistas da Vale! É preciso que o governo federal anule o leilão de privatização - que foi ilegal - e patrocine a reestatização da Vale.

Diante dos conflitos estabelecidos, o Comitê Mineiro dos Atingidos pela Vale, convida:

populações, comunidades, trabalhadores, estudantes, professores, movimentos sociais, movimentos sindicais, organizações ambientalistas, pastorais, associações comunitárias, igrejas e todos os mineiros a somarem forças contra as degradações sociais, ambientais e econômicas cometidas em Minas Gerais.

Participe do I Encontro Mineiro dos Atingidos pela Vale, pois o que vale é a vida!

Você sabia que a Vale:

- Atua em 12 Estados brasileiros e detêm direito de lavra de 23 milhões de hectares o que corresponde aos estados de Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Rio Grande do Norte;

- Nos onze anos que se seguiram à privatização seu lucro líquido cresceu 29 vezes;

- Seu valor de mercado passou de US$8 bilhões para US$125 bilhões;

- Que sob o argumento da crise econômica mundial a empresa demitiu cerca de 4 mil trabalhadores diretos e 15 mil terceirizados;

- Que a Vale consome, sozinha, 5% de toda energia elétrica do Brasil;

- Que as famílias brasileiras pagam por 100kwh/ mês mais de R$50,00 e a Vale paga pelos mesmos 100Kwh/ mês cerca de R$3,30;

- Nos últimos 12 meses a empresa gastou R$178,8 milhões em propaganda para enganar comunidade e trabalhadores com o falso discurso de desenvolvimento sustentável;

- Trabalhadores e comunidades de várias partes do mundo são explorados por essa empresa;

- Os trabalhadores do Canadá da Vale Inco estão em greve há mais de cinco meses por melhores condições de trabalho e melhores salários;

- A Vale está em Moçambique desde 2004 e seu plano de minerar lugares atualmente habitados e agricultáveis vai obrigar um elevado número de famílias a abandonar suas terras e casas.

PROGRAMAÇÃO
08:30 às 09:00 Apresentação
09:00 às 09:20 O Trabalho na Mineração [UTF-8?]– Apresentação: Metabase Itabira
09:20 às 09:40 A mineração e as comunidades atingidas: bairro São Geraldo
09:40 às 10:00 A mineração e o abastecimento público de água: Capão Xavier e Gandarela
10:00 às 11:30 Debate
11:30 às 12:00 Fechamento/ Encaminhamentos

I Encontro Mineiro dos Atingidos pela Vale

Data: 28/11/2009 - Sábado

Horário: 8hs às 12hs

Local: Sind-rede/BH

Av. Amazonas, 491 - sala 1009, Centro

Comitê Mineiro dos Atingidos pela Vale

Brigadas Populares, CONLUTAS, MAB, Assembléia Popular, Metabase Itabira, Metabase Congonhas, CPT, Articulação Popular São Francisco, Movimento pelas Serras e Águas de Minas, ENE-bio, MTD.

02 novembro 2009


À Carlos Marighella

A chama que não se apaga

Marighella foi assassinado numa emboscada preparada por agentes do governo da Ditadura Militar em 4 de novembro de 1969. É das grandes personalidades da história do Brasil.

Prática política radical

Florestan Fernandes
(...) No cenário de violência decorrente da repressão policial-militar, a morte trágica de Carlos Marighella ofuscou a trajetória de sua vida. Vítima da ditadura,caiu baleado em uma emboscada infame, arquitetada e realizada com apuro. Sua presença já havia incendiado a imaginação dos jovens e de ampla parte da geração adulta com inclinação radical. Todos queriam limpar o Brasil dessa nódoa e esperavam a oportunidade propícia a manifestações incisivas.

O Marighella dos primeiros anos fora tragado no tempo e o "último Marighella" acabou sendo mal conhecido no conjunto de sua produção teórica. Ele percorreu o caminho da disciplina, mas evoluiu na onda de rebelião contra os métodos de direção do PCB. Nas duas etapas, ligadas entre si, a aquisição de experiência política legal e clandestina e o florescimento autônomo da prática revolucionária fervem no horizonte intelectual de um combatente ardoroso.

Contudo, é o "último Marighella" que interessa mais vivamente ao estudioso da transformação e crise da esquerda revolucionária. Ele rasga uma concepção do mundo original no Brasil. Vincula a herança clássica do marxismo à efervescência do pensamento contestador latino-americano. Não copia o "modelo cubano", dele extraindo apenas ensinamentos básicos. Em roteiro próprio, prefere aproveitar os dados de uma situação histórica que pedia uma representação de síntese.
As circunstâncias eram propícias às tarefas a que devotou sua vocação crítica. A ditadura militar abriu brechas profundas em uma realidade sempre mistificada. A revisão histórica e política proporcionavam novas descobertas.

Ao golpear a sociedade constituída, a ditadura colocou em realce as debilidades do desenvolvimento capitalista e do Estado que favorecia os grão-senhores, da terra ou do exterior. O desmascaramento atingiu níveis audaciosos e originais.

Na outra ponta, o retraimento da direção do PCB exigia um ataque análogo. Nunca, antes, seus críticos chegaram tão longe ou foram tão inventivos. Nem mesmo os trotskistas faziam-lhe sombra, porque sua cisão mais importante trazia a marca de um paradigma teórico e prático também importado. Carlos Marighella alargou a teoria, para que nela coubessem as crueldades sofridas pelos de baixo; e estendeu a prática, incluindo nela coerência e firmeza. Porta-se com equilíbrio, ficando rente aos questionamentos essenciais.

Esse Marighella, que alcança a plenitude nos derradeiros anos, interessa a todos nós pela maneira de colocar a problemática do marxismo revolucionário no Brasil. Sua principal contribuição consiste em realçar a adequação política envolvida nas asperezas e nas possibilidades da sociedade brasileira. Sob muitos aspectos, aparece entre os grandes revolucionários da nossa época, que não assimilavam o marxismo passivamente, pois entenderam teoria e prática como resultantes de condições históricas específicas, combinadas a fins que se repetem em escala geral. Elaborou, desse modo, suas concepções de síntese, adequadas às atividades concretas, opondo-as às abstrações do padronizado ABC do comunismo. (...)

“A Contestação Necessária – Retratos Intelectuais de Inconformistas e Revolucionários”, coletânea de artigos e ensaios inéditos de Florestan Fernandes, publicada pela Editora Ática alguns meses após a sua morte do sociólogo-militante, ocorrida em 1995.

Carlos Marighella: a chama que não se apaga

Florestan Fernandes

O 4 de novembro de 1969 incorporou-se à história graças a um feito policial-militar que culminou na morte de Carlos Marighella. Faz portanto, quinze anos que morreu o principal líder da Ação Libertadora Nacional (ALN), figura política que se tornara conhecida como militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), seu dirigente de cúpula e também seu deputado no Congresso que elaborou a Constituição de 1946.

Ele foi perseguido como a caça mais cobiçada e condenado à morte cívica, à eliminação da memória coletiva. Só em dezembro de 1979, quando seus restos mortais foram trasladados para Salvador, sua cidade natal, Jorge Amado proclamou o fim da interdição expiatória: “Retiro da maldição e do silêncio e aqui inscrevo seu nome de baiano: Carlos Marighella”.

No ano passado, removemos outra parte da interdição, em uma cerimônia pública de recuperação cívica e de homenagem que “lavou a alma” de socialistas e comunistas em São Paulo.

Um Homem não desaparece com a sua morte. Ao contrário, pode crescer depois dela, engrandecer-se com ela e revelar sua verdadeira estátua à distância. É o que sucede com Marighella. Ele morreu consagrado pela coragem indômita e pelo ardor revolucionário. Os carrascos trabalharam contra si próprios; ao martirizá-lo, forjaram o pedestal de uma glória eterna. Agora, esse homem volta à atualidade histórica. Ele não redimiu os oprimidos nem legou um partido novo.

Mas atravessou as contradições que vergaram um partido que deveria ter enfrentado a ditadura revolucionariamente, acontecesse o que acontecesse. Desmascarou assim a realidade dos partidos proletários na América Latina. Em uma situação histórica de duas faces (como gosto de descrever), contra-revolução e revolução ficam tão presas uma à outra que são os dois lados de uma mesma moeda. À superfície, parece que a luta de classes opera em mão única – no sentido e a favor dos donos do capital e do poder.

Todavia, no subterrâneo (na “infra-estrutura da sociedade” ou no “meio social interno”) existem várias fogueiras, e o aparecimento de alternativas históricas pode depender de “um punhado de homens corajosos” ou de partidos organizados e preparados para a revolução.

Em vários países da América Latina, entre eles o Brasil, a burguesia – apesar da

dependência econômica, cultural e política – está encravada nas estruturas de poder nacional e as controla com mão de ferro. As ditaduras, “tradicionais” ou “modernas”, marcam as oscilações súbitas, às vezes de curta duração, da guerra civil latente para a guerra civil aberta. Nenhum partido dos oprimidos pode pretender-se revolucionário, na orientação socialista ou comunista, se não estiver preparado para enfrentar tenaz e ferozmente essas oscilações. A “legalidade”, na acepção de uma sociedade civil civilizada, é uma ficção.

O grande valor de Carlos Marighella – como o de outros que enfrentaram corajosa e tenazmente aquelas contradições, com a “crise interna do partido” – está no fato de ter compreendido objetivamente e exposto sem vacilações o que a experiência lhe ensinava. No diagnóstico, algumas vezes, ficou preso a uma terminologia equivocada e a concepções que ele pretendia apurar e superar através de uma prática revolucionária conseqüente com o marxismo-leninismo e com as exigências da situação histórica. Por fim, acabou vitimado pela vulnerabilidade central: a inexistência do partido que poderia abrir novos rumos na transformação revolucionária da sociedade.

Um partido desse tipo não nasce de um dia para o outro. Requer uma longa e difícil construção. Marighella caiu nos ardis que apontara, tentando derrotar o inimigo onde era impossível fugir ao seu “cerco militar estratégico”. Não fora ao fundo da análise da revolução cubana, ignorando o quanto uma situação histórica revolucionária simplificara os caminhos daquela revolução. A “via militar” revolucionária, no entanto, se mostraria frágil sob o capitalismo dependente mais diferenciado e, por vezes, avançado na América do Sul, especialmente depois da vitória do Exército Rebelde em Cuba.

As deficiências e os equívocos de Carlos Marighella resultaram de fatores

incontroláveis e insuperáveis. Ele foi até onde seu dever exigia, sem meios para tornar a missão necessária realizável. A revolução proletária não é um “objetivo” do partido revolucionário. Ela é, ao mesmo tempo, sua razão de ser, seu sustentáculo e seu produto, mas de tal modo que, quando o partido revolucionário surge, ele é um coordenador, concentrador e dinamizador das forças sociais explosivas existentes. Como assinalou Karl Marx, “a humanidade não se propõe nunca senão os problemas que ela pode resolver, pois, aprofundando a análise, ver-se-á sempre que o próprio problema só se apresenta quando as condições materiais para resolvê-lo existem ou estão em vias de existir”. O que qualifica e distingue as posições assumidas por Carlos Marighella é o propósito de romper com uma linha adaptativa, que retirava o Partido Comunista do pólo proletário da luta de classes, convertendo-o em “cauda” permanente e em esquerda da burguesia.

O seu marxismo-leninisimo ficou muito mais próximo da intenção que da elaboração teórica e prática conseqüente. O que não o impediu de encontrar, através da prioridade política e da acumulação de uma vasta experiência concreta negativa, uma versão objetiva das sinuosidades do comunismo adaptativo e tolerante que o marxismo acadêmico só descobriu tarde demais ou, então, nunca teve gana de desmascarar. No momento mesmo no qual nos vemos de novo impelidos para os erros do passado, parece indispensável voltar às suas críticas e às razões de suas rupturas (ainda que seja impensável reabsorver o conjunto de soluções teóricas e práticas que inspirou e difundiu). Em três pontos, pelo menos, é indispensável tomá-lo como referência de uma purificação marxista dos nossos partidos revolucionários.

O primeiro ponto tem a ver com os vínculos diretos da teoria com os fatos concretos e com a realidade, pela experiência crítica e pela ação crítica. Essa orientação é básica para a elaboração de um comunismo made in América Latina, construído por nós, embora com raízes marxistas e leninistas. Ele situa em plano secundário o intelectual “teórico”, eurocêntrico, e repele as “soluções importadas”, que impunham os modelos invariáveis de algum monolitismo soviético, chinês, etc.

O segundo ponto é o mais decisivo, pois põe em questão qual é o partido revolucionário que deve surgir das condições econômicas, sociais e políticas dos países da América Latina (e do Brasil, em particular). Uma sociedade civil que repele a civilização para todos e um Estado que concentra a violência no tope para aplicá-la de forma ultra-opressiva e ultra-egoísta envolvem uma barbárie exasperada específica. Tal partido deverá ser, sempre, uma espécie de iceberg, por mais confiável e durável que pareça sua “legalidade”. Isso lhe permitirá interagir dialeticamente nos dois níveis da trasformação revolucionária da sociedade – o burguês, por dentro da ordem, e o proletário e camponês, contra a ordem.

O terceiro ponto refere-se à aliança com a burguesia, que nunca deveria ter alcançado a densidade e a permanência que atingiu. Um partido comunista dócil à burguesia nunca será proletário nem revolucionário e terá, como sina inexorável, que perverter a aliança política. “O segredo da vitória é o povo”. O eixo de gravitação das alianças está, portanto, na solidariedade entre os oprimidos; em suas lutas antiimperialistas, nacionalistas e democráticas, tanto quanto nas suas tentativas de domar a supremacia burguesa, conquistar o poder ou implantar o socialismo.

Em suma, Carlos Marighella era um sonhador com os pés no chão e a cabeça no lugar. Ele ainda desafia os seus perseguidores e merece dos companheiros de rota (e do antigo partido) que levem seriamente em conta sua tentativa de equacionamento teórico e prático do enigma do movimento comunista no Brasil.


Florestan Fernandes Folha de S. Paulo, 12/11/1984