21 setembro 2008

À Carlos Marighella

Um espetáculo lindo
Uma obra espetacular
Grandiosa em todas as dimensões.
O Amargo Santo da Purificação
Em 1980 a Terreira da Tribo de atuadores Oi Nós Aqui Traveis já existia e tentou montar peça teatral baseada no livro Em Câmara Lenta, de Renato Tapajós, com o titulo “O Amargo Santo da Purificação”. Não conseguiram. A censura militar não deixou.
Ao retornar à idéia de representar o período seguinte até ao atual, o grupo retoma a obra proibida, seus textos, e encontra um personagem que poderia ser a linha de coerência destas últimas décadas da história do Brasil. E, ao contar a história da vida de Carlos Marighella, voltam até Getúlio e avançam aos dias atuais. Marighella é teatro de rua cantado em seus próprios versos, musicados de forma que aprofunda sua poesia.
O guerrilheiro, entretanto, foi apresentado ao Oi Nós em um bar de Salvador, em 2003 quando excursionavam com o espetáculo A Saga de Canudos e encontraram a viúva de Marighella, Clara Charf, e o filho dele, Carlos, que cantou a debochada e alegre Marcha do Cacareco.

Paulo Flores, atuador do Ói Nóis - Carlos Marighella se tornou uma referencia para o Ói Nóis. O exemplo dele levou a resistência armada. Ao pensar em contar a história deste período, pensamos em Marighella e resgatamos o título da outra peça que foi censurada nos anos 80. Quando estivemos na Bahia, conversamos com o neto dele que nos apresentou ao pai, filho de Marighella.
Depois, conversamos com Clara Chaf que nos apresentou o livro Rondó da Liberdade, de Marighella. O eixo principal de toda a peça são os poemas dele, que foram musicados.

Pedro de Camillis, atuador do Ói Nóis – Marighella é exemplo de ser humano. Um comunista que hoje parece diferente porque amava o povo. A trajetória dele é exemplar.
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Quando terminou a apresentação primeira da peça, o público que a acompanhou numa ida e vinda, no espaço de cerca de 100 metros da rua dos Andradas, ou Rua da Praia, na Praça da Alfândega, estava todo com as emoções em frangalhos, esgotando o físico e ao mesmo tempo leves e livres.
Procurávamos nos recompor, especialmente buscando a respiração para conseguir falar uns com os outros, pois só quando a peça terminou é que conseguimos nos ver. Até então, centenas de pessoas, andando de um lado para o outro, só conseguimos ver os atuadores jogando suas incríveis interpretações dos personagens que iam contando a história d’O Amargo Santo da Purificação.
Olhos molhados, olhávamos em volta e para cima, sob a sombra das árvores e o amarelo do sol do meio dia. A impressão era de abandono. Porque terminou se já estávamos ficando viciados em algo tão bom. Mas terminou porque os signos teatrais indicaram e as palmas explodiram em vivas, vivas, vivas. E, através dos olhos embaçados, procurávamos identificar as pessoas conhecidas.
Mas o prenúncio de que aquilo iria acontecer ocorreu um pouco antes. Não era só a platéia que estava emocionada. Olhos de uma das atrizes, ao cruzar com os meus, indicava a situação de aperto no peito.
Eles fazem muito isso com o público. Olham para as pessoas que estão na rua assistindo.
A atriz, acho, também estava emocionada, olhos marejados.
Muitos foram e ficaram porque sabiam que haveria o espetáculo.
Muito, muitos estavam passando, apressados, alguns no horário do almoço, outros apenas fazendo outra coisa quando foram ficando em torno, correndo de um lado para outro, se envolvendo com o enredo, já participando sem saber, fugindo de um soldado da ditadura, mas procurando outro lugar para olhar para trás e continuar vendo o espetáculo que fazia parte, mas também assistia.
Quando tudo terminou, só percebemos o que aconteceu quando procuramos fôlego para falar com as pessoas que conhecíamos e as encontrávamos tão desestruturadas quanto nós, falando pausadamente, procurando respirar para ser compreensível.
E ai, Jeferson, e ai Temis e ai Brizolinha?
Povo que chora junto
Jamais será vencido.

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A praça
A poesia
A música
A história
A memória

Nunca mais as mesmas

Quem – de fato - permaneceu no calçadão da praça da alfândega entre as 12h 10min e as 13h e 50min de sexta-feira, 19/09/2008, não pode ter ficado incólume.
Mais uma vez a terreira, a arte, a cultura popular, o posicionamento político ressignificaram o que nossos olhos, ouvidos e memória acreditavam já conhecidos.
Deslocamentos de sentidos, de espaços, de tempos, da relação espaço-tempo.
Não foi apenas a vida de um homem, mas a formação da cultura brasileira, em seus encontros e choques que tiveram lugar na peça “o amargo santo da purificação”, criada, produzida e encenada pela tribo de atuadores “ói nóis aqui traveis”.
Foi nossa história como povo, em sua feiúra e em sua beleza.
Alguns dos momentos mais marcantes da vida política brasileira, em sua relação com a criação artística e expressão estética foram traduzidos em beleza e dor e riso.
Algumas das teorias que embalaram as opções que ainda hoje nos influenciam ficaram marcadas no chão da praça e nos olhos de quem viu.
Universalidades.
Mas tão bem expressas na singularidade de uma vida!
Carlos Marighella...
Que fundamentos tão fortes embalam os sonhos e ações de uma vida que se permite viver em si um projeto de nação?
Tão fortes que não se prendem às lutas ideológicas que permeiam seu tempo, antes resistem aos dogmas que elas acabam por constituir; não teme rupturas e assume as contradições que a vida vai apresentando.
As crenças de muitas gerações e diversas culturas entremeadas no fio da existência de um indivíduo.
Tudo isso e tanto mais é possível sentir e viver acompanhando a apresentação de ‘o amargo santo da purificação’.
A resistência do revolucionário Marighella, um herói do povo brasileiro, no teatro revolucionário da resistente terreira da tribo.
Ao final, risos e lágrimas e a vontade de que cada um de nós pudesse dizer “vai, fulana, ser Marighella na vida”.
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O final da peça diz muito.
A Alameda Casa Branca é rebatizada como Alameda Carlos Marighella.
É uma sugestão, achamos.
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Quem é você Marighella?
Um negro baiano, de Salvador, Bahia, em 5 de dezembro de 1911. Filho de imigrante italiano e uma negra descendente dos haussás, etnia negra conhecida pela combatividade nas sublevações contra a escravidão. De origem humilde, ainda adolescente participava das lutas sociais. Aos 18 anos iniciou curso de Engenharia na Escola Politécnica da Bahia e tornou-se militante do Partido Comunista, dedicando sua vida à causa dos trabalhadores, da independência nacional e do socialismo.

Vai ser Marighella na vida
Foi preso pela primeira vez em 1932, após escrever um poema contendo críticas ao interventor Juracy Magalhães. Liberto, interrompeu os estudos universitários no 3o ano, ainda naquele ano deslocou-se para o Rio de Janeiro. Em 1o de maio de 1936 foi novamente preso e durante 23 dias enfrentou as terríveis torturas da polícia getulista de Filinto Müller. Permaneceu encarcerado por um ano e, solto pela “macedada” – nome da medida que libertou os presos políticos sem condenação -- deixou o exemplo de uma tenacidade impressionante.
Transferindo-se para São Paulo e buscou reorganizar os revolucionários comunistas, duramente atingidos pela repressão, e o combate ao terror imposto pela ditadura de Getúlio Vargas.
Em 1939 foi novamente preso e mais uma vez torturado de forma brutal na Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) de São Paulo, se negando a fornecer qualquer informação à polícia. Na CPI que investigaria os crimes do Estado Novo o médico Dr. Nilo Rodrigues deporia que, com referência a Marighella, nunca vira tamanha resistência a maus tratos nem tanta bravura.
Recolhido aos presídios de Fernando de Noronha e Ilha Grande pelo seis anos seguintes, dirigiu sua energia revolucionária ao trabalho de educação cultural e política dos companheiros de cadeia.

Não se deixou cooptar por Getúlio
Anistiado em abril de 1945, participou do processo de redemocratização do país, foi eleito deputado federal constituinte pelo estado da Bahia. Foi apontado como um dos mais aguerridos parlamentares de todas as bancadas, proferindo, em menos de dois anos, cerca de duzentos discursos defendendo, invariavelmente, as aspirações operárias, a denuncia das péssimas condições de vida do povo brasileiro e a crescente dominação cultural e política imperialista no país.
Cassado pela repressão do governo Dutra, Marighella retornar à clandestinidade em 1948, condição em que permaneceria por mais de duas décadas, até seu assassinato. Nos anos 50, em São Paulo, participa das lutas populares em defesa do monopólio estatal do petróleo, contra o envio de soldados brasileiros à Coréia e a desnacionalização da economia. Entre 1958/59 retoma reflexões em direção do problema agrário, redigindo o ensaio “Alguns aspectos da renda da terra no Brasil”. Nesta fase visitaria a China Popular e a União Soviética, e anos depois, conheceria Cuba.

Se entrega Corisco,
Não se entrega, não.
Mais fortes são os poderes do povo.
Após o golpe militar de 1964, Marighella foi localizado por agentes do DOPS carioca em 9 de maio num cinema do bairro da Tijuca. Enfrentou os policiais que o cercavam com socos e gritos de “Abaixo a ditadura militar fascista” e “Viva a democracia”. Recebeu um tiro a queima-roupa no peito. Descrevendo o episódio no livro “Por que resisti à prisão”, afirmaria: “Minha força vinha mesmo era da convicção política, da certeza (...) de que a liberdade não se defende senão resistindo”.

Marighella fez de sua defesa um ataque aos crimes praticados pela Ditadura Militar. Um movimento de solidariedade forçou os militares a aceitar um habeas-corpus e sua libertação imediata. Liberto mais uma vez intensificou o combate à ditadura utilizando todos os meios de luta na tentativa de impedir a consolidação de um regime ilegal e ilegítimo, que mantinha o país sob terror policial, os sindicatos sob controle e as garantias constitucionais dos cidadãos suspensas. Neste período Carlos Marighella aprofundou as divergências com o Partido Comunista, criticando seu reformismo e imobilismo.

Em dezembro de 1966, comunicou em carta à Comissão Executiva do PCB, seu desligamento da mesma. Deixou clara a disposição de lutar revolucionariamente junto às massas, em vez de ficar à espera das regras do jogo político e burocrático convencional. Funda, em seguida, a ALN – Ação Libertadora Nacional para, de armas em punho, enfrentar a ditadura.

O dever de todo revolucionário
É fazer a revolução.

Não pedimos permissão para fazer atos revolucionários.
Temos compromissos só com a revolução.
A luta de guerrilha é tática para a luta política.
É preciso não ter medo,
É preciso ter coragem para dizer que o homem que tem ser livre.

A partir de 1968, o regime militar o aponta como o Inimigo Público Número Um, transformando-se em alvo de uma caçada que envolveu, a nível nacional, toda a estrutura da polícia política.
Na noite de 4 de novembro de 1969 foi morto numa emboscada preparada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, na Alameda Casa Branca, na capital paulista.
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(LX/Zz)

07 setembro 2008

AS-PTA Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa apontou, em seu boletim Número 409 – de 06 de setembro de 2008, as insuficiências da matéria publicada no jornal Valor Econômico em 29 de agosto. A reportagem é sobre a criação do Programa Amaggi de Soja Responsável, da empresa Amaggi, de esmagamento e exportação de soja, do Grupo André Maggi, da família do governador do Mato Grosso, Blairo Maggi.
Diz a nota da AS-PTA:

Segundo a matéria, “a soja transgênica ‘sustentável’ está inserida no Programa Amaggi de Soja Responsável.” Este “projeto-piloto inédito” teria o objetivo de ampliar a entrada da soja transgênica no mercado europeu.

Segundo informa a matéria, o programa consiste unicamente na colocação em prática das leis brasileiras e internacionais, como a preservação de cobertura vegetal mínima, o manejo correto de agrotóxicos, do solo, da água e a garantia de que nenhuma fazenda emprega crianças ou mão-de-obra análoga à escravidão.

A Amaggi não poderá certificar sua soja como “sustentável”, uma vez que “a certificação tem como premissa que o produto não prejudica o homem nem o ambiente, o que ainda não é comprovado cientificamente nos alimentos transgênicos”.

A matéria então explica que, “para contornar esse problema, o grupo Amaggi contratou a certificadora européia Cert ID, no Brasil sediada em Porto Alegre, para fazer a ‘verificação’ de seus fornecedores de soja. A verificação apenas atesta que as fazendas estão (ou não) seguindo padrões determinados pela empresa.”

A rejeição aos transgênicos na Europa nunca diminuiu. Ao contrário, tem se fortalecido nos últimos anos, o que levou os governos de diversos países a proibir estes cultivos recentemente. Já são sete os países europeus que tomaram iniciativas
neste sentido: a Áustria, a Grécia, a Itália, a Hungria, a Romênia, a Polônia e, mais recentemente, a França. A rejeição às lavouras transgênicas também tem crescido na Espanha e em Portugal, com a declaração de dezenas de zonas livres de transgênicos.

É incrível que, tendo o interesse em exportar, a Amaggi prefira a estratégia de tentar burlar o consumidor e enfiar-lhe os transgênicos goela abaixo, ao invés de escutá-lo e converter sua produção para não transgênica.

E, como não podia deixar de ser, a reação já está começando. Segundo informa a mesma matéria do Valor, “algumas organizações ambientais, como a Solidariedade,
já armam protestos na Holanda, a porta de entrada de vários produtos agrícolas para a Europa, contra a chegada de farelo transgênico no continente.”