30 dezembro 2009

Para a possibilidade de um
Feliz Ano Novo


É possível dizer isto, sem demagogia, ufanismo ou remorsos!

Há dados, para quem gosta de utopia baseados no material.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância – Unicef – e o Fundo para a Alimentação e a Agricultura (FAO) – organismos das Nações Unidas – ONU, afirmam que Cuba não tem criança desnutrida. Não registrou óbito de recém nascido. Repetindo: mortalidade infantil é zero, é o único país do planeta que eliminou a desnutrição infantil e a morte dos recém nascidos.

O grafite ao lado não diz nada para Cuba. É em Porto Alegre.

Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) afirma que Cuba é a nação com os maiores avanços na luta contra a desnutrição na América Latina.

A cesta básica alimentar do Estado cubano garante a alimentação de sua população ao menos em dois níveis básicos, mediante uma rede de distribuição de produtos alimentícios. Além disso, há instrumentos econômicos em outros mercados e serviços locais para melhorar a alimentação do povo cubano e atenuar o déficit alimentar. Especialmente, há uma constante vigilância sobre o sustento das crianças e adolescentes. A nutrição começa com a promoção de uma melhor e mais natural forma de alimentação.

Desde os primeiros dias de nascimento os benefícios do aleitamento materno justificam todos os esforços realizados em Cuba em favor da saúde e do desenvolvimento de sua infância. Isso tem permitido elevar os índices de recém nascidos que recebem aleitamento materno até o quarto mês de vida e que seguem consumindo esse leite, complementado com outros alimentos, até os seis meses de idade. Atualmente, 99% dos recém nascidos saem das maternidades com aleitamento materno exclusivo, índice superior à meta proposta, que é de 95%, segundo dados oficiais, nos quais se indica que todas as províncias do país cumprem essa meta.

Apesar das difíceis condições econômicas enfrentadas pela ilha o governo cuida da alimentação e da nutrição das crianças mediante a entrega diária de um litro de leite a todas as crianças até sete anos de idade.

Soma-se a isso a entrega de outros alimentos que, dependendo das disponibilidades econômicas do país, são distribuídos eqüitativamente para as idades mais pequenas da infância. Até os 13 anos de idade se prioriza a distribuição subsidiada de produtos complementares como o iogurte de soja e, em situações de desastre, se protege a infância mediante a entrega gratuita de alimentos de primeira necessidade.

As crianças incorporadas aos Círculos Infantis e às escolas primárias com regime de semi-internato recebem, além disso, o benefício do contínuo esforço por melhorar sua alimentação quanto à presença de componentes dietéticos, lácteos e protéicos. Com o apoio da produção agrícola – ainda enfrentando condições de severa seca – e a importação de alimentos, alcança-se um consumo de nutrientes acima das normas estabelecidas pela FAO.
Em Cuba, esse indicador não é a média fictícia entre o consumo alimentar dos ricos e dos que passam fome.

Adicionalmente, o consumo social inclui a merenda escolar que é distribuída gratuitamente a centenas de milhares de estudantes e trabalhadores da educação, com cotas especiais de alimentos para crianças até 15 anos e pessoas de mais de 60 anos nas províncias do leste da ilha. Nesta relação, estão contempladas as grávidas, mães lactantes, anciãos e incapacitados, crianças com baixo peso e altura e o fornecimento de alimentos aos municípios de Pinar del Rio e Havana e também para a Ilha da Juventude. Essas regiões foram atingidas em 2008 por furacões, enquanto que as províncias de Holguín, Las Tunas e cinco municípios de Camaguey sofrem atualmente com a seca.

Esse esforço conta com a colaboração do Programa Mundial de Alimentos (PMA), que contribui para a melhoria do estado nutricional da população mais vulnerável da região oriental, beneficiando mais de 631 mil pessoas. A cooperação do PMA com Cuba data de 1963, quando essa agência ofereceu assistência imediata às vítimas do furacão Flora. Já foram concretizados no país cinco projetos de desenvolvimento e 14 operações de emergência.

Recentemente, Cuba passou de ser um país receptor a um país doador de ajuda.

O tema da desnutrição tem grande importância na campanha da ONU para atingir, em 2015, as Metas de Desenvolvimento do Milênio, adotada em uma cúpula de chefes de Estado em 2000 e que tem entre seus objetivos eliminar a pobreza extrema e a fome. A ONU considera que Cuba está na vanguarda do cumprimento dessas metas em matéria de desenvolvimento humano. Mesmo enfrentando deficiências, dificuldades e sérias limitações pelo bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto pelos EUA há mais de quatro décadas, Cuba não mostra índices alarmantes de desnutrição infatil como ocorre em outros países. Nenhuma das 146 milhões de crianças menores de cinco anos com problemas de baixo peso, que vivem hoje no mundo, é cubana.

Galeano pergunta, para que servem as Utopias?

Segundo a ONU, Cuba eliminou a desnutrição infantil.

26 novembro 2009

O Caderno de Saramago

Diante das manifestações que se estão preparando em toda a Europa, de protesto contra o desemprego, escrevi, a pedido de um grupo de sindicalistas, o texto que a seguir se reproduz.

Não ao Desemprego

A gravíssima crise econômica e financeira que está convulsionando o mundo traz-nos a angustiante sensação de que chegamos ao final de uma época sem que se consiga vislumbrar o que e como será o que virá de seguida.

Que fazemos nós, que assistimos impotentes, ao avanço esmagador dos grandes potentados econômicos e financeiros, loucos por conquistar mais e mais dinheiro, mais e mais poder, com todos os meios legais ou ilegais ao seu alcance, limpos ou sujos, regulares ou criminais?

Podemos deixar a saída da crise nas mãos dos peritos? Não são eles precisamente, os banqueiros, os políticos de máximo nível mundial, os diretores das grandes multinacionais, os especuladores, com a cumplicidade dos meios de comunicação social, os que, com a soberba de quem se considera possuidor da última sabedoria, nos mandavam calar quando, nos últimos trinta anos, timidamente protestávamos, dizendo que não sabíamos nada, e por isso nos ridicularizavam? Era o tempo do império absoluto do Mercado, essa entidade presunçosamente auto-reformável e auto-regulável encarregada pelo imutável destino de preparar e defender para sempre e jamais a nossa felicidade pessoal e coletiva, ainda que a realidade se encarregasse de desmenti-lo a cada hora que passava.

E agora, quando cada dia aumenta o número de desempregados? Vão acabar por fim os paraísos fiscais e as contas numeradas? Será implacavelmente investigada a origem de gigantescos depósitos bancários, de engenharias financeiras claramente delitivas, de inversões opacas que, em muitos casos, mais não são que massivas lavagens de dinheiro negro, do narcotráfico e outras atividades canalhas? E os expedientes de crise, habilmente preparados para benefício dos conselhos de administração e contra os trabalhadores?

Quem resolve o problema dos desempregados, milhões de vítimas da chamada crise, que pela avareza, a maldade ou a estupidez dos poderosos vão continuar desempregados, mal-vivendo temporariamente de míseros subsídios do Estado, enquanto os grandes executivos e administradores de empresas deliberadamente conduzidas à falência gozam de quantias milionárias cobertas por contratos blindados?

O que se está a passar é, em todos os aspectos, um crime contra a humanidade e desde esta perspectiva deve ser analisado nos foruns públicos e nas consciências. Não é exagero. Crimes contra a humanidade não são apenas os genocídios, os etnocídios, os campos de morte, as torturas, os assassinatos seletivo, as fomes deliberadamente provocadas, as contaminações massivas, as humilhações como método repressivo da identidade das vítimas. Crime contra a humanidade é também o que os poderes financeiros e econômicos, com a cumplicidade efetiva ou tácita de os governos, friamente perpetraram contra milhões de pessoas em todo o mundo, ameaçadas de perder o que lhes resta, a sua casa e as suas poupanças, depois de terem perdido a única e tantas vezes escassa fonte de rendimento, quer dizer, o seu trabalho.

Dizer “Não ao Desemprego” é um dever ético, um imperativo moral. Como o é denunciar que esta situação não a geraram os trabalhadores, que não são os empregados os que devem pagar a estultícia e os erros do sistema.

Dizer “Não ao Desemprego” é travar o genocídio lento mas implacável a que o sistema condena milhões de pessoas. Sabemos que podemos sair desta crise, sabemos que não pedimos a lua. E sabemos que temos voz para usá-la. Frente à soberba do sistema, invoquemos o nosso direito à crítica e ao nosso protesto. Eles não sabem tudo. Equivocaram-se. Enganaram-nos. Não toleremos ser suas vítimas.

José Saramago

I Encontro Mineiro dos Atingidos pela Vale

No dia 28 de novembro será realizado em Belo Horizonte o I Encontro Mineiro dos Atingidos pela Vale. A proposta desta atividade é reunir e dar voz às comunidades afetadas pela Companhia Vale do Rio Doce em Minas Gerais.

A Vale iniciou suas atividades no Brasil e hoje é a responsável por um legado de destruição social e ambiental registrado em vários municípios de Minas Gerais. Os bens naturais disponíveis no estado e a exploração da mão-de-obra são as fontes da riqueza dessa empresa que está presente nos cinco continentes do mundo. Os resultados dessa ganância são os graves impactos identificados sobre o meio ambiente e a vida das pessoas.

Progresso econômico para os municípios, geração de emprego, responsabilidade social e desenvolvimento sustentável fazem parte da campanha publicitária vinculada pela empresa para convencer comunidades e trabalhadores a aceitarem a mineração, mas o que a realidade comprova é a acentuação de conflitos sociais, econômicos e ambientais que modificam a qualidade de vida das pessoas.

As desapropriações forçadas, a terceirização com as perdas dos direitos trabalhistas, os constantes acidentes de trabalho, a contaminação e o rebaixamento do lençol freático e a perda da biodiversidade são exemplos de degradações ocasionadas pela mineração.

Apesar das demissões ocorridas entre 2008 a 2009 sob o argumento da crise econômica mundial, a empresa segue com os pedidos de licenciamento ambiental - mantendo altos investimentos - para abrir novas lavras em locais ainda preservados como é o caso da mineração pretendida na Serra da Gandarela, contribuinte do abastecimento de água da Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Desde a privatização ocorrida em 1997, trabalhadores e comunidades vêm sendo prejudicados pela ganância desta grande empresa capitalista. Os bens naturais do solo brasileiro devem ser patrimônio do povo e não dos acionistas da Vale! É preciso que o governo federal anule o leilão de privatização - que foi ilegal - e patrocine a reestatização da Vale.

Diante dos conflitos estabelecidos, o Comitê Mineiro dos Atingidos pela Vale, convida:

populações, comunidades, trabalhadores, estudantes, professores, movimentos sociais, movimentos sindicais, organizações ambientalistas, pastorais, associações comunitárias, igrejas e todos os mineiros a somarem forças contra as degradações sociais, ambientais e econômicas cometidas em Minas Gerais.

Participe do I Encontro Mineiro dos Atingidos pela Vale, pois o que vale é a vida!

Você sabia que a Vale:

- Atua em 12 Estados brasileiros e detêm direito de lavra de 23 milhões de hectares o que corresponde aos estados de Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Rio Grande do Norte;

- Nos onze anos que se seguiram à privatização seu lucro líquido cresceu 29 vezes;

- Seu valor de mercado passou de US$8 bilhões para US$125 bilhões;

- Que sob o argumento da crise econômica mundial a empresa demitiu cerca de 4 mil trabalhadores diretos e 15 mil terceirizados;

- Que a Vale consome, sozinha, 5% de toda energia elétrica do Brasil;

- Que as famílias brasileiras pagam por 100kwh/ mês mais de R$50,00 e a Vale paga pelos mesmos 100Kwh/ mês cerca de R$3,30;

- Nos últimos 12 meses a empresa gastou R$178,8 milhões em propaganda para enganar comunidade e trabalhadores com o falso discurso de desenvolvimento sustentável;

- Trabalhadores e comunidades de várias partes do mundo são explorados por essa empresa;

- Os trabalhadores do Canadá da Vale Inco estão em greve há mais de cinco meses por melhores condições de trabalho e melhores salários;

- A Vale está em Moçambique desde 2004 e seu plano de minerar lugares atualmente habitados e agricultáveis vai obrigar um elevado número de famílias a abandonar suas terras e casas.

PROGRAMAÇÃO
08:30 às 09:00 Apresentação
09:00 às 09:20 O Trabalho na Mineração [UTF-8?]– Apresentação: Metabase Itabira
09:20 às 09:40 A mineração e as comunidades atingidas: bairro São Geraldo
09:40 às 10:00 A mineração e o abastecimento público de água: Capão Xavier e Gandarela
10:00 às 11:30 Debate
11:30 às 12:00 Fechamento/ Encaminhamentos

I Encontro Mineiro dos Atingidos pela Vale

Data: 28/11/2009 - Sábado

Horário: 8hs às 12hs

Local: Sind-rede/BH

Av. Amazonas, 491 - sala 1009, Centro

Comitê Mineiro dos Atingidos pela Vale

Brigadas Populares, CONLUTAS, MAB, Assembléia Popular, Metabase Itabira, Metabase Congonhas, CPT, Articulação Popular São Francisco, Movimento pelas Serras e Águas de Minas, ENE-bio, MTD.

02 novembro 2009


À Carlos Marighella

A chama que não se apaga

Marighella foi assassinado numa emboscada preparada por agentes do governo da Ditadura Militar em 4 de novembro de 1969. É das grandes personalidades da história do Brasil.

Prática política radical

Florestan Fernandes
(...) No cenário de violência decorrente da repressão policial-militar, a morte trágica de Carlos Marighella ofuscou a trajetória de sua vida. Vítima da ditadura,caiu baleado em uma emboscada infame, arquitetada e realizada com apuro. Sua presença já havia incendiado a imaginação dos jovens e de ampla parte da geração adulta com inclinação radical. Todos queriam limpar o Brasil dessa nódoa e esperavam a oportunidade propícia a manifestações incisivas.

O Marighella dos primeiros anos fora tragado no tempo e o "último Marighella" acabou sendo mal conhecido no conjunto de sua produção teórica. Ele percorreu o caminho da disciplina, mas evoluiu na onda de rebelião contra os métodos de direção do PCB. Nas duas etapas, ligadas entre si, a aquisição de experiência política legal e clandestina e o florescimento autônomo da prática revolucionária fervem no horizonte intelectual de um combatente ardoroso.

Contudo, é o "último Marighella" que interessa mais vivamente ao estudioso da transformação e crise da esquerda revolucionária. Ele rasga uma concepção do mundo original no Brasil. Vincula a herança clássica do marxismo à efervescência do pensamento contestador latino-americano. Não copia o "modelo cubano", dele extraindo apenas ensinamentos básicos. Em roteiro próprio, prefere aproveitar os dados de uma situação histórica que pedia uma representação de síntese.
As circunstâncias eram propícias às tarefas a que devotou sua vocação crítica. A ditadura militar abriu brechas profundas em uma realidade sempre mistificada. A revisão histórica e política proporcionavam novas descobertas.

Ao golpear a sociedade constituída, a ditadura colocou em realce as debilidades do desenvolvimento capitalista e do Estado que favorecia os grão-senhores, da terra ou do exterior. O desmascaramento atingiu níveis audaciosos e originais.

Na outra ponta, o retraimento da direção do PCB exigia um ataque análogo. Nunca, antes, seus críticos chegaram tão longe ou foram tão inventivos. Nem mesmo os trotskistas faziam-lhe sombra, porque sua cisão mais importante trazia a marca de um paradigma teórico e prático também importado. Carlos Marighella alargou a teoria, para que nela coubessem as crueldades sofridas pelos de baixo; e estendeu a prática, incluindo nela coerência e firmeza. Porta-se com equilíbrio, ficando rente aos questionamentos essenciais.

Esse Marighella, que alcança a plenitude nos derradeiros anos, interessa a todos nós pela maneira de colocar a problemática do marxismo revolucionário no Brasil. Sua principal contribuição consiste em realçar a adequação política envolvida nas asperezas e nas possibilidades da sociedade brasileira. Sob muitos aspectos, aparece entre os grandes revolucionários da nossa época, que não assimilavam o marxismo passivamente, pois entenderam teoria e prática como resultantes de condições históricas específicas, combinadas a fins que se repetem em escala geral. Elaborou, desse modo, suas concepções de síntese, adequadas às atividades concretas, opondo-as às abstrações do padronizado ABC do comunismo. (...)

“A Contestação Necessária – Retratos Intelectuais de Inconformistas e Revolucionários”, coletânea de artigos e ensaios inéditos de Florestan Fernandes, publicada pela Editora Ática alguns meses após a sua morte do sociólogo-militante, ocorrida em 1995.

Carlos Marighella: a chama que não se apaga

Florestan Fernandes

O 4 de novembro de 1969 incorporou-se à história graças a um feito policial-militar que culminou na morte de Carlos Marighella. Faz portanto, quinze anos que morreu o principal líder da Ação Libertadora Nacional (ALN), figura política que se tornara conhecida como militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), seu dirigente de cúpula e também seu deputado no Congresso que elaborou a Constituição de 1946.

Ele foi perseguido como a caça mais cobiçada e condenado à morte cívica, à eliminação da memória coletiva. Só em dezembro de 1979, quando seus restos mortais foram trasladados para Salvador, sua cidade natal, Jorge Amado proclamou o fim da interdição expiatória: “Retiro da maldição e do silêncio e aqui inscrevo seu nome de baiano: Carlos Marighella”.

No ano passado, removemos outra parte da interdição, em uma cerimônia pública de recuperação cívica e de homenagem que “lavou a alma” de socialistas e comunistas em São Paulo.

Um Homem não desaparece com a sua morte. Ao contrário, pode crescer depois dela, engrandecer-se com ela e revelar sua verdadeira estátua à distância. É o que sucede com Marighella. Ele morreu consagrado pela coragem indômita e pelo ardor revolucionário. Os carrascos trabalharam contra si próprios; ao martirizá-lo, forjaram o pedestal de uma glória eterna. Agora, esse homem volta à atualidade histórica. Ele não redimiu os oprimidos nem legou um partido novo.

Mas atravessou as contradições que vergaram um partido que deveria ter enfrentado a ditadura revolucionariamente, acontecesse o que acontecesse. Desmascarou assim a realidade dos partidos proletários na América Latina. Em uma situação histórica de duas faces (como gosto de descrever), contra-revolução e revolução ficam tão presas uma à outra que são os dois lados de uma mesma moeda. À superfície, parece que a luta de classes opera em mão única – no sentido e a favor dos donos do capital e do poder.

Todavia, no subterrâneo (na “infra-estrutura da sociedade” ou no “meio social interno”) existem várias fogueiras, e o aparecimento de alternativas históricas pode depender de “um punhado de homens corajosos” ou de partidos organizados e preparados para a revolução.

Em vários países da América Latina, entre eles o Brasil, a burguesia – apesar da

dependência econômica, cultural e política – está encravada nas estruturas de poder nacional e as controla com mão de ferro. As ditaduras, “tradicionais” ou “modernas”, marcam as oscilações súbitas, às vezes de curta duração, da guerra civil latente para a guerra civil aberta. Nenhum partido dos oprimidos pode pretender-se revolucionário, na orientação socialista ou comunista, se não estiver preparado para enfrentar tenaz e ferozmente essas oscilações. A “legalidade”, na acepção de uma sociedade civil civilizada, é uma ficção.

O grande valor de Carlos Marighella – como o de outros que enfrentaram corajosa e tenazmente aquelas contradições, com a “crise interna do partido” – está no fato de ter compreendido objetivamente e exposto sem vacilações o que a experiência lhe ensinava. No diagnóstico, algumas vezes, ficou preso a uma terminologia equivocada e a concepções que ele pretendia apurar e superar através de uma prática revolucionária conseqüente com o marxismo-leninismo e com as exigências da situação histórica. Por fim, acabou vitimado pela vulnerabilidade central: a inexistência do partido que poderia abrir novos rumos na transformação revolucionária da sociedade.

Um partido desse tipo não nasce de um dia para o outro. Requer uma longa e difícil construção. Marighella caiu nos ardis que apontara, tentando derrotar o inimigo onde era impossível fugir ao seu “cerco militar estratégico”. Não fora ao fundo da análise da revolução cubana, ignorando o quanto uma situação histórica revolucionária simplificara os caminhos daquela revolução. A “via militar” revolucionária, no entanto, se mostraria frágil sob o capitalismo dependente mais diferenciado e, por vezes, avançado na América do Sul, especialmente depois da vitória do Exército Rebelde em Cuba.

As deficiências e os equívocos de Carlos Marighella resultaram de fatores

incontroláveis e insuperáveis. Ele foi até onde seu dever exigia, sem meios para tornar a missão necessária realizável. A revolução proletária não é um “objetivo” do partido revolucionário. Ela é, ao mesmo tempo, sua razão de ser, seu sustentáculo e seu produto, mas de tal modo que, quando o partido revolucionário surge, ele é um coordenador, concentrador e dinamizador das forças sociais explosivas existentes. Como assinalou Karl Marx, “a humanidade não se propõe nunca senão os problemas que ela pode resolver, pois, aprofundando a análise, ver-se-á sempre que o próprio problema só se apresenta quando as condições materiais para resolvê-lo existem ou estão em vias de existir”. O que qualifica e distingue as posições assumidas por Carlos Marighella é o propósito de romper com uma linha adaptativa, que retirava o Partido Comunista do pólo proletário da luta de classes, convertendo-o em “cauda” permanente e em esquerda da burguesia.

O seu marxismo-leninisimo ficou muito mais próximo da intenção que da elaboração teórica e prática conseqüente. O que não o impediu de encontrar, através da prioridade política e da acumulação de uma vasta experiência concreta negativa, uma versão objetiva das sinuosidades do comunismo adaptativo e tolerante que o marxismo acadêmico só descobriu tarde demais ou, então, nunca teve gana de desmascarar. No momento mesmo no qual nos vemos de novo impelidos para os erros do passado, parece indispensável voltar às suas críticas e às razões de suas rupturas (ainda que seja impensável reabsorver o conjunto de soluções teóricas e práticas que inspirou e difundiu). Em três pontos, pelo menos, é indispensável tomá-lo como referência de uma purificação marxista dos nossos partidos revolucionários.

O primeiro ponto tem a ver com os vínculos diretos da teoria com os fatos concretos e com a realidade, pela experiência crítica e pela ação crítica. Essa orientação é básica para a elaboração de um comunismo made in América Latina, construído por nós, embora com raízes marxistas e leninistas. Ele situa em plano secundário o intelectual “teórico”, eurocêntrico, e repele as “soluções importadas”, que impunham os modelos invariáveis de algum monolitismo soviético, chinês, etc.

O segundo ponto é o mais decisivo, pois põe em questão qual é o partido revolucionário que deve surgir das condições econômicas, sociais e políticas dos países da América Latina (e do Brasil, em particular). Uma sociedade civil que repele a civilização para todos e um Estado que concentra a violência no tope para aplicá-la de forma ultra-opressiva e ultra-egoísta envolvem uma barbárie exasperada específica. Tal partido deverá ser, sempre, uma espécie de iceberg, por mais confiável e durável que pareça sua “legalidade”. Isso lhe permitirá interagir dialeticamente nos dois níveis da trasformação revolucionária da sociedade – o burguês, por dentro da ordem, e o proletário e camponês, contra a ordem.

O terceiro ponto refere-se à aliança com a burguesia, que nunca deveria ter alcançado a densidade e a permanência que atingiu. Um partido comunista dócil à burguesia nunca será proletário nem revolucionário e terá, como sina inexorável, que perverter a aliança política. “O segredo da vitória é o povo”. O eixo de gravitação das alianças está, portanto, na solidariedade entre os oprimidos; em suas lutas antiimperialistas, nacionalistas e democráticas, tanto quanto nas suas tentativas de domar a supremacia burguesa, conquistar o poder ou implantar o socialismo.

Em suma, Carlos Marighella era um sonhador com os pés no chão e a cabeça no lugar. Ele ainda desafia os seus perseguidores e merece dos companheiros de rota (e do antigo partido) que levem seriamente em conta sua tentativa de equacionamento teórico e prático do enigma do movimento comunista no Brasil.


Florestan Fernandes Folha de S. Paulo, 12/11/1984


12 outubro 2009

O legado de Che Guevara
Analisando sua obra falada, escrita e vivida, podemos identificar um profundo humanismo. O ser humano era o centro de todas as suas preocupações

Em 8 de outubro cumpre-se o aniversário do assassinato de Che Guevara pelo exército boliviano. Após sua prisão, em 8 de outubro de 1967, foi executado friamente, por ordens da CIA. Seria ''muito perigoso'' mantê-lo vivo, pois poderia gerar ainda mais revoltas populares em todo o continente.

Decididamente, a contribuição de Che, por suas idéias e exemplo, não se resume a teses de estratégias militares ou de tomada de poder político. Nem devemos vê-lo como um super-homem que defendia todos os injustiçados e tampou coexorcizá-lo, reduzindo-o a um mito.

Analisando sua obra falada, escrita e vivida, podemos identificar em toda a trajetória um profundo humanismo. O ser humano era o centro de todas as suas preocupações. Isso pode-se ver no jovem Che, retratado de forma brilhante por Walter Salles no filme Diários de Motocicleta, até seus últimos dias nas montanhas da Bolívia, com o cuidado que tinha com seus companheiros de guerrilha.

A indignação contra qualquer injustiça social, em qualquer parte do mundo,escreveu ele a uma parente distante, seria o que mais o motivava a lutar. O espírito de sacrifício, não medindo esforços em quaisquer circunstâncias, não se resumiu às ações militares, mas também e sobretudo no exemplo prático. Mesmo como ministro de Estado, dirigente da Revolução Cubana, fazia trabalho solidário na construção de moradias populares, no corte da cana, como um cidadão comum.

Che praticou como ninguém a máxima de ser o primeiro no trabalho e o último no lazer. Defendia com suas teses e prática o princípio de que os problemas do povo somente se resolveriam se todo o povo se envolvesse, com trabalho e dedicação. Ou seja, uma revolução social se caracterizava fundamentalmente pelo fato de o povo assumir seu próprio destino, participar de todas as decisões políticas da sociedade.

Sempre defendeu a integração completa dos dirigentes com a população. Evitando populismos demagógicos. E assim mesclava a força das massas organizadas com o papel dos dirigentes, dos militantes, praticando aquilo que Gramsci já havia discorrido como a função do intelectual orgânico coletivo.

Teve uma vida simples e despojada. Nunca se apegou a bens materiais. Denunciava o fetiche do consumismo, defendia com ardor a necessidade de elevar permanentemente o nível de conhecimento e de cultura de todo o povo. Por isso,Cuba foi o primeiro país a eliminar o analfabetismo e, na América Latina, a alcançar o maior índice de ensino superior. O conhecimento e a cultura eram para ele os principais valores e bens a serem cultivados. Daí também, dentro do processo revolucionário cubano, era quem mais ajudava a organizar a formação de militantes e quadros. Uma formação não apenas baseada em cursinhos de teoria clássica, mas mesclando sempre a teoria com a necessária prática cotidiana.

Acreditar no Che, reverenciar o Che hoje é acima de tudo cultivar esses valores da prática revolucionária que ele nos deixou como legado.

A burguesia queria matar o Che. Levou seu corpo, mas imortalizou seu exemplo.

Che vive! Viva o Che!
BRASIL DE FATO - 08/10/2009
por Michelle Amaral da Silva última modificação 08/10/2009 14:59
Colaboradores: João Pedro Stedile BRASIL DE FATO
João Pedro Stedile é membro da coordenação nacional do MST e da Via Campesina.
Publicada em: 07/10/2009
------------------------------------
Laranjas e Gente

A imagem aérea de um trator derrubando uma fila de pés de laranja em um gigantesco laranjal parece chocar mais certos setores da sociedade do que avisão de milhares de pessoas sem terra e suas famílias acampadas precariamente sob tendas de plástico preto na beira de várias estradas brasileiras.

Não pretendo dizer com isso que os fins justifiquem os meios, mas após o choqueinicial do poder da imagem disseminada pelos meios que costumam demonizar aluta pela terra, é bom procurar se informar do que realmente aconteceu e quaisas motivações que geraram o ato perturbador.

Desde o dia 28 de setembro, 250 famílias de sem terra estavam acampadas na fazenda onde a Cutrale, uma das maiores empresas do agronegócio brasileiro, planta laranjas. O objetivo da ação era denunciar a ocupação irregular de terras da União pela Cutrale. O MST afirma que a empresa plantou laranjas na fazenda como forma de legitimar a grilagem de área pública. A produtividade da fazenda não poderia esconder a grilagem como ato ilegal e criminoso.

Muito bem. Esta é a versão do MST e cabe verificar se corresponde à verdade. OIncra confirma que já luta há três anos pela recuperação da fazenda ocupada pela Cutrale, assegurando que pertence à União. De acordo com o instituto, a fazenda integra um conjunto de terras públicas da União que constituíam o antigo Núcleo Colonial Monção.

Ainda segundo o INCRA, o Núcleo Colonial Monção tem sua origem há 100 anos. Foi criado a partir de um grupo de fazendas compradas pela União ou recebidas em pagamento de dívidas da Companhia de Colonização São Paulo/Paraná. Essas fazendas somavam aproximadamente 40 mil hectares, nos municípios de Agudos, Lençóis Paulista, Borebi, Iaras e Águas de Santa Bárbara.

A primeira ocupação na região ocorreu em 1995, e dois anos depois o INCRA reivindicou a fazenda Capivara, em Iaras, obtendo 30% do imóvel como tutela antecipada,o que resultou, em 1998, na criação do assentamento Zumbi dos Palmares. Em 2007, a Justiça Federal garantiu ao INCRA os 8 mil hectares totais da fazenda.

Verifica-se com isso, que a disputa por estas terras tem mais de 10 anos, e a Cutrale se instalou nelas há cerca de cinco anos. Ou seja, tinha conhecimento de que o governo as considerava públicas e mesmo assim levou adiante o seuprojeto de plantio de laranjas. Apesar da origem centenária do núcleo, a Cutrale informa que tem a posse legal das terras. Depois que a Justiça concedeu a reintegração de posse à Cutrale, no último dia 29, portanto um dia após a destruição dos pés de laranja, o Incra entrou com petição na Justiça Federal contra a decisão, com base no argumento de que a área de 40 mil hectares pertence à União.

O que se deduz, então, é que a Cutrale plantou suas laranjas em terras reivindicadas pela União para efeito de reforma agrária. Nesse sentido, a lutado MST é duplamente justa. Primeiro, como denúncia de grilagem em terras públicas e depois pela própria terra para assentar trabalhadores.

Pode se questionar a forma de ação do MST, mas sem ela não teria vindo à tona a ocupação e uso ilegal de terras públicas. A bancada ruralista no Congresso aproveitou rapidamente a comoção causada pelas imagens para aprovar relatório da senadora e latifundiária Kátia Abreu abrandando as exigências de produtividade para que uma fazenda não seja desapropriada para reforma agrária.

Em outra frente de ação, tenta ressuscitar uma CPI para investigar os repasses de recursos públicos a entidades ligadas ao MST. Se o Congresso brasileiro realmente se interessa em saber o que se passa no campo poderia criar uma CPI para verificar a legalidade de todas as propriedades agrícolas do país e exigir sua imediata devolução em caso de grilagem.
----------------------------
Esclarecimentos sobre últimos episódios veiculados pela mídia
Sexta feira , 9/9/2009

Diante dos últimos episódios que envolvem o MST e vêm repercutindo na mídia, a direção nacional do MST vem a público se pronunciar.
1. A nossa luta é pela democratização da propriedade da terra, cada vez mais concentrada em nosso país. O resultado do Censo de 2006, divulgado na semana passada, revelou que o Brasil é o país com a maior concentração da propriedade da terra do mundo. Menos de 15 mil latifundiários detêm fazendas acima de 2,5mil hectares e possuem 98 milhões de hectares. Cerca de 1% de todos os proprietários controla 46% das terras.
2. Há uma lei de Reforma Agrária para corrigir essa distorção histórica. No entanto, as leis a favor do povo somente funcionam com pressão popular. Fazemos pressão por meio da ocupação de latifúndios improdutivos e grandes propriedades, que não cumprem a função social, como determina a Constituição de1988.

A Constituição Federal estabelece que deve ser desapropriadas propriedades que estão abaixo da produtividade, não respeitam o ambiente, não respeitam os direitos trabalhistas e são usadas para contrabando ou cultivo de drogas.
3. Também ocupamos as fazendas que têm origem na grilagem de terras públicas, como acontece, por exemplo, no Pontal do Paranapanema e em Iaras (empresa Cutrale), no Pará (Banco Opportunity) e no sul da Bahia (Veracel/Stora Enso). São áreas que pertencem à União e estão indevidamente apropriadas por grandes empresas, enquanto se alega que há falta de terras para assentar trabalhadores rurais sem terras.
4. Os inimigos da Reforma Agrária querem transformar os episódios que aconteceram na fazenda grilada pela Cutrale para criminalizar o MST, os movimentos sociais, impedir a Reforma Agrária e proteger os interesses do agronegócio e dos que controlam a terra.

5. Somos contra a violência. Sabemos que a violência é a arma utilizada sempre pelos opressores para manter seus privilégios. E, principalmente, temos o maior respeito às famílias dos trabalhadores das grandes fazendas quando fazemos as ocupações. Os trabalhadores rurais são vítimas da violência. Nos últimos anos, já foram assassinados mais de 1,6 mil companheiros e companheiras, e apenas 80assassinos e mandantes chegaram aos tribunais. São raros aqueles que tiveram alguma punição, reinando a impunidade, como no caso do Massacre de Eldorado de Carajás.
6. As famílias acampadas recorreram à ação na Cutrale como última alternativa para chamar a atenção da sociedade para o absurdo fato de que umas das maiores empresas da agricultura - que controla 30% de todo suco de laranja no mundo - se dedique a grilar terras. Já havíamos ocupado a área diversas vezes nos últimos 10 anos, e a população não tinha conhecimento desse crime cometido pela Cutrale.

7. Nós lamentamos muito quando acontecem desvios de conduta em ocupações, que não representam a linha do movimento. Em geral, eles têm acontecido por causada infiltração dos inimigos da Reforma Agrária, seja dos latifundiários ou da policia.

8. Os companheiros e companheiras do MST de São Paulo reafirmam que não houve depredação nem furto por parte das famílias que ocuparam a fazenda da Cutrale. Quando as famílias saíram da fazenda, não havia ambiente de depredações, como foi apresentado na mídia. Representantes das famílias que fizeram a ocupação foram impedidos de acompanhar a entrada dos funcionários da fazenda e da PM, após a saída da área. O que aconteceu desde a saída das famílias e a entrada da imprensa na fazenda deve ser investigado.

9. Há uma clara articulação entre os latifundiários, setores conservadores doPoder Judiciário, serviços de inteligência, parlamentares ruralistas e setores reacionários da imprensa brasileira para atacar o MST e a Reforma Agrária. Não admitem o direito dos pobres se organizarem e lutarem.

Em períodos eleitorais, essas articulações ganham mais força política, como parte das táticas da direita para impedir as ações do governo a favor da Reforma Agrária e "enquadrar" as candidaturas dentro dos seus interesses de classe.
10. O MST luta há mais de 25 anos pela implantação de uma Reforma Agrária popular e verdadeira. Obtivemos muitas vitórias: mais de 500 mil famílias de trabalhadores pobres do campo foram assentados. Estamos acostumados a enfrentaras manipulações dos latifundiários e de seus representantes na imprensa.

À sociedade, pedimos que não nos julgue pela versão apresentada pela mídia. NoBrasil, há um histórico de ruptura com a verdade e com a ética pela grande mídia, para manipular os fatos, prejudicar os trabalhadores e suas lutas e defender os interesses dos poderosos.

Apesar de todas as dificuldades, de nossos erros e acertos e, principalmente,das artimanhas da burguesia, a sociedade brasileira sabe que sem a Reforma Agrária será impossível corrigir as injustiças sociais e as desigualdades no campo. De nossa parte, temos o compromisso de seguir organizando os pobres do campo e fazendo mobilizações e lutas pela realização dos direitos do povo à terra, educação e dignidade.
São Paulo, 9 de outubro de 2009
DIREÇÃO NACIONAL DO MST