27 junho 2008




A revolta dos discriminados no lançamento da Campanha Preconceito Zero

O lançamento da Campanha Nacional da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal - Preconceito, Discriminação Zero - o Alvorecer de uma Nova Consciência, na sexta, 20 passado foi o destampar de denuncias de discriminação e preconceitos que estão atingindo diversos grupos sociais em Porto Alegre. A violência vem especialmente dos setores organizados no estado, utilizados como instrumento para manter uma cultura de dominação através da humilhação e da violência contra estes segmentos. A começar pela própria Câmara Municipal da cidade que aprovou por unanimidade a proibição da prática das religiões de origem africana, disfarçada de norma do Código de Limpeza Urbana.

A norma foi suspensa pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que acatou Ação de Inconstitucionalidade – ADIN, apresentada por entidades ligadas a religiões afro-brasileiras. Agora, o pleno do Tribunal vai julgar o mérito.

Entidades como a Congregação em Defesa das Religiões Afro-Brasileiras, Comunidade Terreira Ile Axé Yemanjá Omi Olodo e Africanamente Centro de Pesquisa Resgate e Pres de Tradições Afro-descendentes ouviram na hora o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, o vereador Guilherme Barbosa, do PT, fazer autocrítica pelo erro. A norma foi proposta por um pastor evangélico e sancionada pelo vice-prefeito, também evangélico.

Vera Soares, falando em nome das entidades religiosas de matriz africana lembrou que, desde 2004, a intolerância está aumentando. Ela lembrou que as religiões africanas ajudam na redução da violência “mas nós não somos vítima apenas da física, há a violência institucional, como a legislação aprovada pela Cãmara.

Ela lembrou que os terreiros, em sua maioria, estão localizados na periferia da cidade. “E ali, não há registro de discriminação racial, social, sexual, dando exemplo de convivência e civilização. Nós somos um povo que deu sua contribuição para a construção da nação. Cortaram nossa língua, cortaram nosso corpo, tiraram nossa liberdade, mas mantivemos nossa religião. E esta casa cometeu este erro, de aprovar por unanimidade esta norma”.



Depoimentos marcaram o lançamento, cheios de disposição de luta contra o preconceito e a discriminação:

Doris Mary Kaniz – da Ilha dos Marinheiros
Representante dos morados das ilhas do Delta do Jacuí, especialmente a Ilha dos Marinheiros, disse que “depois que a Câmara de Vereadores aprovou a proposta para acabar com o uso das carroças em 8 anos, os que vivem do uso da tração animal, a maioria absoluta catadores, se sentem ameaçados.
São cerca de 30 mil famílias que estão vivendo angustiadas, sem saber o que será de seus futuros. “A Câmara votou, só falta o prefeito dar o seu canetaço e jogar o destino destas pessoas no total desespero, insegurança e desamparo”.
Doris denunciou que a cidade é construída sobre quatro rodas. “Falam da situação ruim dos cavalos e esquecem-se das pessoas pobres expondo a discriminação. Essas pessoas não têm postos de saúde que funcionem à noite. Não tem ônibus no final das ilhas. Muitos dos que trabalham e moram ali são doentes e não tem assistência médica. O que salva um aidético não é só o coquetel. O povo da Ilha sobrevive do lixo. Agora dizem que a carroça vai acabar em 8 anos. A discriminação gera violência, tristeza, doença.”
Ela disse ainda que “Os Sesis da vida estão vazios, mas nossos filhos não podem freqüentar porque não tem recursos. Direitos Humanos não são iguais para todos. Há os que têm mais direitos humanos do que outros. O casal homossexual não tem direito de ter filhos.”

Mãe Maria Justina dos Santos – do Centro de Umbanda de Culto Africano Mãe Oxum.
“Tenho casa de religião que atende a comunidade pobre de porto Alegre. Recebo bolsa alimentação, 80 para 120 famílias. Assim, não tem dia que criança não venha bater em minha porta pedir comida. A comunidade necessita de ajuda espiritual e material. Sou filha de oxum, mas não sei o que fazer. Para praticar nossa religião, precisamos de mata, mas não temos mata para entregar oferendas aos nossos orixás. Temos consciência de que não devemos deixar as oferendas espalhadas pela cidade, mas se vamos a alguma mata precisamos ficar cuidando para a polícia não vir nos prender. Precisamos de mata e de mar.”

Jair da Silva, cacique representante da comunidade Kaigang da Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre.
“São 180 irmãos, 40 famílias em 6 hectares. Algumas ainda moram em barracos e como tem feito muito frio e chovido bastante, as crianças são as mais sofridas. Não gostamos de morar em prédio, mas em mato. Mas quando entramos no mato somos perseguidos, pela polícia, e não encontramos os elementos para fazer os nossos artesanatos. Querem reduzir o espaço para vender nosso trabalho na Redenção. Por causa do espaço de um metro e meio quase a Brigada matou um cacique. Fazemos remédios e chás. Mas há intenção de impedir o nosso trabalho. O postinho de saúde está embargado. Ajudamos, curamos durante tantos anos, e não temos liberdade para nossos caraís fazerem nossos remédios.”

Marcele Malta – da Igualdade RS
“Fui a primeira instrutora da Academia de Policia. Hoje vemos que há retrocesso. Quando falam de reeducar e reorganizar os setores de segurança não há preocupação com a capacitação dos que estão envolvidos com esta tarefa, para o respeito a diversidade social e sexual. Registramos o aumento da violência, com agressões e morte de transexuais e travestis. Há o aumento da intolerância com nossa existência, com perseguições inclusive por parte de algumas religiões. Agradeço as religiões de matriz africanas que nos acolhem, sem questionar nossa sexualidade. Podemos nos vestir cantar, dançar e nos aceitar.”
“A maioria das travestir e transexuais são profissionais do sexo porque não tem oportunidade de emprego. Quando buscam um são agredidas por não serem compreendidas em sua cultura, modo de ser, vestir. Os programas de políticas públicas, como os de moradia não nos consideram. Seus formulários fazem perguntas sobre o casal. As travestis e transsexuais não são consideradas famílias “normais”. Assim, oprimidas, só saem de casa à noite, com medo de serem agredidas de dia, e acabam considerando a discriminação uma coisa normal. A nossa luta é também por direitos humanos. Lutamos para que a sociedade nos respeite.

Maria Charrua - Cacica e Xamã
“Eu tive um sonho. Sonhava que o povo Charrua estava no mato. Junto com guaranis e kaigangs. Levantamos às 6 horas para ver os bugios, suas relações famílias fraternas, os adultos carregando seus filhos. Vemos isso nas missões. Mas, depois que ocupamos aquele espaço passamos a ser ameaçados de morte. Tem fazendeiros dizendo que vão nos matar se nós não sairmos de lá. Eles debocham de nossas atividades. Bebem e nos agridem. Riem e nos ameaçam no meio de nossos cantos e danças. Dizem que nossos ornamentos, penas e outros enfeites são coisas de bichos mortos, não respeitando nosso entendimento de que são coisas sagradas. Dizem que vão tocar fogo em nossas casas quanto dormirmos. Não podemos mais descansar.”

(O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de POA se comprometeu a conversar com o INCRA e a policia federal para ver o que fazer.)

Adilson Luis Pimentel, do Conselho Municipal de Direitos da Pessoa com Deficiência – presidente do Conselho dos Direitos da Pessoa com Deficiência
Sugeriu a necessidade dos políticos saírem do assistencialismo e passarem a atuar para garantir os direitos dos que estão foram do atendimento público. “Há o registro publico da falta de equipamentos públicos adequados. Os orelhões são armadilhas, as calçadas são arapucas, os coletivos em Porto Alegre melhoraram, mas ainda está longe do atendimento necessário”.

Deputado federal Adão Preto
“Lutamos pela Reforma Agrária não porque somos agricultores, mas porque a proposta vai melhorar a vida de todos. Os rurais vão poder viver daquilo que sabem fazer, vai manter os agricultores no campo, aumentar a produção agrícola, aumentar a produção de maquinas e implementos, teremos mais emprego no campo e na cidade. Vamos produzir para o meio urbano e rural.
A atual Comissão de Agricultura do Congresso é um antro reacionário. Representam os proprietários de terra, alguns com milhões de hectares. Alguns vão lá se defender da “acusação do movimento dos sem terra”, de que possuem 8 milhões de hectares. Dizem: “Não, nós não temos 8 milhões, temos apenas 6 milhões”. “Consideram isto como direito deles, mas não dos sem terra.” Adão Preto disse que “quando os povos indígenas, camponeses, quilombolas entram no Congresso Nacional, é visível o desconforto da maioria dos deputados que não têm identidade com a cultura da maioria da população do país.”

A deputada federal, Maria do Rosário
Avalia que os educadores não estão recebendo ajuda para se capacitarem para atender as necessidades da formação das crianças da cidade, especialmente para combater os modernos preconceitos: a rejeição das pessoas que moram em lugares considerados violentos, a discriminação daqueles que não sabem utilizar os equipamentos da modernidade.

O presidente da Comissão dos Direitos Humanos do Senado, senador Paulo Paim, disse que o que ocorreu com os três jovens que foram entregues pelo exercito e foram mortos pelo tráfico no morro da Providência, no Rio, é também exemplo da violência e da discriminação racial. Anunciou que a Comissão pretende convocar os ministros do Exercito e da Defesa para que eles expliquem para a sociedade as medidas que estão tomando para coibir estes crimes. Para ele, a violência é a expressão de diversos preconceitos. “As discriminações de classe, gênero, raça, sexo e religião aparecem no cotidiano da vida dos brasileiros, com fatos graves como assassinatos, agressões, desrespeitos noticiados pela imprensa, mas a maioria fica no silêncio.”

1 comentário:

Leonel! I love reggae music! disse...

finalmente o que precisavamos. Campanha preconceito zero já!
PEACE AND LOVE TO ALL MAN KIND!!!
Jah bless