25 novembro 2007

A espera de outro espanto

'Gado em Repouso', Lasar Segall
O caso da garota de Abaetetuba, no Pará, reafirma a continuidade do cenário de desgraça que atinge a mulher pobre no país. As políticas públicas, que representam o cuidado do estado com o povo, e significa as amarras para a existência e construção da nação, faliram em diversas regiões do país, de forma deferente e combinada. Em alguns lugares, é o sistema educacional. Em outros, é o de saúde. Em quase todos, o de segurança. O conjunto é de provocar a “animalização” desta “gente” para justificar a violência contra ela. Faz parte da política dominante.

Mesmo assim, em algumas regiões, esta política é aceita pacificamente pela população. Em outras, a população reage. A “tropa da elite” que dirige o país com suas respectivas responsabilidades sabe disto. E esta situação tem sido objeto de atenção de Ongs e de pesquisas de organismos internacionais. Um deles, o Comitê contra a Tortura da ONU, que visitou recentemente o Brasil, publicou trabalho dia 23 passado, descrevendo as prisões brasileiras como instalações com "superpopulação endêmica", "condições imundas de confinamento" e "violência generalizada". O representante da Anistia Internacional para o Brasil, Tim Cahill, diz que é caso "chocante", “...tão chocante, em tantos níveis, que é difícil identificar o que é mais grave. Se o fato do Estado ser tão violento a ponto de deixar uma menina nessas condições, de manter uma menor cercada por homens, ou as violências que ela sofreu. “Ela foi estuprada por um mês; é impossível que o Estado não soubesse". Esta situação não surgiu de repente. Foi amadurecendo por vários governos, sem que nenhum, de fato, tenha tomado as providências para reverter esta situação com medidas de longo alcance. Então, é espantoso como reage a nossa “tropa da elite”.

A ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres Nilcéa Freire, diz que desconhecia estas situações no país. Segundo ela “O caso das duas mulheres presas com homens no Pará – foi levado ao conhecimento dela outro caso - foram os primeiros do tipo levados ao governo federal”, justifica.

A presidente do Supremo Tribunal Federal – STF e do Conselho Nacional de Justiça – CNJ -, Ellen Gracie, comportou-se como se nada soubesse, e cobrou explicações do Tribunal de Justiça do Pará sobre “a colocação de mulheres em celas ocupadas por homens’”.

A governadora do Pará, Ana Júlia Carepa assumiu que sabia e que casos como este ocorrem no Estado ‘há algum tempo’. Com origem no PT histórico, aquele em que sabe das dificuldades dos trabalhadores por ter convivido com ele, a governadora tinha informação até porque, há pelo menos 11 anos, o Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade (MMCC), entidade de defesa dos direitos da mulher no Pará, denuncia casos semelhantes no interior do Estado. Prova é o depoimento, em março de 2007, de Elisety Maia, coordenadora do MMCC e integrante do Conselho Estadual da Mulher do Pará. Ela citou o caso da presa Salma Simas, de 40 anos, presa com outros 35 homens durante sete meses, denunciado pelo MMCC em 1996. Acusada de matar o marido, foi estuprada diversas vezes na cadeia e, depois, inocentada do crime. O caso da mulher presa na carceragem de Abaetetuba foi denunciado em requerimento ao Conselho Estadual da Mulher “e apresentamos como solução a construção de uma delegacia da mulher no município e não houve providências", diz ela. “Nos últimos dez anos o MMCC denunciou casos semelhantes ao da menina de Abaetetuba ocorridos em Altamira, Tucuruí e até mesmo em Abaetetuba. E nada foi feito”.

Se nenhum governo mandou construir presididos femininos em cidades médias e pequenas do país, aonde os “a tropa da elite” pensa que são colocadas as presas, quando a polícia ou a justiça determina recolhe-las?

Aliás, o que aconteceu com a garota no Pará é apenas continuidade do tratamento que a mulher (pobre) recebe historicamente na sociedade brasileira. Mas, estou curioso mesmo é em saber se este escândalo de agora, este fingimento de espanto da violência contra a garota do Pará, vai ser o estopim que vai alterar o destino de outras grandes denúncias, como aquela “Falcão, os menos do Trafico”, mostrada em programa nobre da TV, lembram? Alguém aí acha que foram tomadas medidas que erradicassem as causas que empurram crianças pobres para aquela possibilidade de vida?
A sociedade tem sido cínica refletindo a cultura dominante. E espera um novo espanto.

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