23 dezembro 2007

Feliz 2008

Nossa homenagem ao jornalista e ambientalista Francisco Anselmo

A velha nova ordem da realidade

O ano termina e o cenário é de alegria e tensão política.
O capital internacional registra perspectivas de investimentos dos setores automobilístico (Toyota), e das florestadoras na ordem dos 7 bilhões de reais, que, se se realizarem vai alterar profundamente a economia do estado. Os demais setores econômicos se sentem atraídos, mas têm interesses a defender. Estes projetos dependem da luta de classes organizadas no interior do estado. Daí a tensão política. Mesmo com amplo domínio ideológico o cenário político é de disputa de projetos políticos dentro do mesmo arco institucional.

As condições de disputa política foram construídas historicamente numa cultura de fraudes e corrupções. Esse foi o ambiente moral e ético que os setores dominantes locais, entre si, ou unidos contra “os de fora”, ofereceram à democracia.

A hegemonia dos setores que estiveram aliados aos de fora, fazendo concessões aos locais, nunca foi tão profunda como agora. Se antes, essas concessões eram meio de equilíbrio político e oferecia aos setores dominantes locais chegarem ao poder, sem romper com a ordem geral, agora, essa relação está sendo submetida à disputa das relações econômicas neoliberais.

O cenário econômico avança e se afasta da política.
Para crescer aos possíveis 7% indicados pelo IBGE, a economia do Rio Grande do Sul não dependeu do governo estadual. Não que este não tenha favorecido, com o pouco que tinha em caixa, os grandes grupos locais ou de fora. É o melhor índice dos últimos 14 anos. Foi sustentada pela agropecuária transgênica e biotecnológica, com crescimento de 19,2% em 2007. Em 2006 tinha crescido 19,9%. A indústria saiu do negativo de - 0,7% em 2006 para 7,2 em 2007. A classe dominante, portanto, está super alegre.

No momento em que o melhor que pôde fazer foi eleger Yeda governadora, a burguesia vive a dualidade de sua existência. Busca um projeto final, estável para sempre. Mas sem projeto, faz política de forma desordenada. Diz que esta confusão é a liberdade de sua democracia. E está à vontade. Não têm quem denuncie que o estado está perdido. No ano em que Yeda Crusius teve problemas políticos, administrativos e financeiros, coroado com o índice de popularidade mais baixo entre os governadores dos dez maiores Estados do país, ela afirma estar "satisfeita" com sua gestão. Briga publicamente com o vice-governador, Paulo Feijó; seu pacote de ajuste econômico é derrotado na Assembléia (foram incríveis 34 a 0), entra em choque com a comunidade escolar com uma política educacional polêmica, com enturmação e turmas multiseriadas, deixa crianças sem transporte escolar, causa crise com demissões na Emater, provoca quedas de secretários, as farmácias do estado registram falta de remédios, tem funcionários presos envolvidos nas falcatruas descobertas pela Policia Federal nas operações envolvendo o Detran, a fraude do Selo na Assembléia Legislativa, e há dez meses está parcelando o pagamento dos salários do funcionalismo público.

Portanto, o cenário político é muito bom, e muito ruim para a burguesia. Ela não enfrenta mais nenhum projeto com peso político fora do seu arco ideológico. Se é bom, porque fica livre para fazer sua velha prática política, é péssimo porque a vida só não se qualifica por sua exclusiva responsabilidade política. Mesmo que agora dividida com partidos que já foram de esquerda, ou que se digam de esquerda, mas vivem aliados.

A tentativa de projeto do neoliberalismo fundamentalista fracassou com o governo Brito. E pior, acabou abrindo espaço para o governo do PT. Agora estão de volta e usam a redução dos impostos como meio para reformular as estruturas do estado. Mas o neoliberalismo com a Yeda vacila. Faz o discurso do enxugamento, da redução dos impostos, mas, propõem aumentá-los e se aproxima da política do governo federal.

Os trabalhadores foram à luta com seus recursos. Mas sem unidade de uma central, perderam força. Os lutadores do MTD - Movimento dos Trabalhadores Desempregados – mobilizaram-se e impediram ser ignorados. Em campanha eleitoral, Yeda prometeu resolver o problema do desemprego. E, agora, vivemos esta catástrofe. Num ambiente de relativa euforia pela redução do desemprego, as vilas estão cheias de desempregados, pessoas que, segundo as avaliações patronais, são sem qualificação profissional. Mas, mesmo assim, segundo o IBGE, os índices de desemprego são os mais baixos dos últimos 10 anos. As lutas dos Sem Terra mantiveram a disposição de continuar lutando pela Reforma Agrária da Terra prometida, para todos.

O funcionalismo público – os professores à frente – estão em estado de greve. Decidem a paralisação em assembléia da comunidade escolar marcada para março. O funcionalismo do aparato de segurança, Brigada Militar e policiais civis realizaram marchas de protestos contra as condições de segurança de seu trabalho. Não tem farda, arma, viaturas, dependências policiais, etc. É ficção.

O funcionamento do estado foi debatido o ano todo sob o domínio da opinião patronal. Os argumentos foram cortar ou aumentar impostos. Uma luta entre quem quer contra quem não quer. Yeda disse durante a campanha eleitoral que não queria. Mas tentou aumentar duas vezes. Uma, pedindo ao ex-governador Rigotto que enviasse projeto de manutenção do aumento de algumas alíquotas existente durante aquele governo. E, em novembro de 2007. ela mesmo enviou proposta a AL. Politicamente derrotada, moralmente desmascarada é apresentada pela mídia dominante como em luta por um novo estado.
Este cenário fortaleceu o seu vice-governador, o empresário Paulo Feijó, ex-presidente da Federação das Indústrias do estado, que declarou publicamente sua oposição a tal política. Feijó construiu-se como alternativa fundamentalista da classe dominante.

O que ficou caracterizado é que esta “esquerda” agora é contra o aumento dos impostos (propostos pela Yeda) e vota junto com quem parece coerente, o neoliberalismo fundamentalista do vice de Yeda. Esta situação de indiferenciação vai pesar nas próximas eleições, as de 2008, e acumulando para 2010.

Percebendo este cenário, o secretário do desenvolvimento da Yeda, Nelson Proença, ex-chefe de gabinete de Antonio Brito, PPS, deixa o governo para ser uma alternativa ao projeto que Feijó vai costurando. A sua carta de despedida é mais uma proposta política do que uma crítica ao desempenho do governo. Diz que são necessárias medidas que recomponha o ambiente político e crie as condições para um projeto de desenvolvimento que “inclua o estado no caminho que o país começa a percorrer”. O cenário de Porto Alegre é diferente, tem possibilidades novas para o futuro, mas não está resolvido.

A greve de fome de dom Luis Cappio dividiu os governistas. Mas ainda bem que a vida dele não dependeu do governo federal. Se dependesse, Lula avisou, o projeto seguiria em frente porque se cede “o estado acaba”. Este é o sentido desse poder. Veja o caso do ambientalista Dionísio Júlio Ribeiro Filho, assassinado em 2006 por causa do trabalho que desenvolvia na Reserva Biológica do Tinguá (Nova Iguaçu, Baixada Fluminense), invadida por caçadores e desmatadores. Denunciou desmatamento e foi ameaçado de ser retirado da área, fez greve de fome. Continuou lutando e foi morto. Ao lado do corpo, um porrete ensangüentado foi deixado pelos criminosos. E antes da chegada da polícia, o cadáver desapareceu do local. Antes disso, em 12 de novembro de 2005, o jornalista e ambientalista Francisco Anselmo de Barros, de 65 anos, não deu prazos, não negociou. Pediu a salvação do Pantanal Mato-grossense, jogou gasolina sobre dois colchonetes, ateou fogo e cobriu-se com eles. Imolou-se.

Depoimentos diziam que ele era um velho ambientalista com coração de criança, que tinha poder, mas nunca precisou ter, um doido-varrido que acordou do lado esquerdo da cama... Era amigo, era professor querido, uma mensagem infinita.

Esta a mensagem infinita que desejo para todos.
Infinita de convicções. De radicalidade pela luta dos oprimidos, excluídos, explorados, discriminados.
Período de tormenta, mas lúcida em busca de um caminho.
Sabermos o que não queremos é quase o suficiente.
Vamos continuar lutando.
Feliz tudo em 2008.

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