06 dezembro 2007

A silenciosa cumplicidade das autoridades com o desrespeito aos direitos humanos

Um show de desumanidade foi encontrado no sul do Pará e está sendo denunciado pelo Núcleo dos Advogados do Povo – NAP – Brasil, que divulga relatório preliminar das Violações aos Direitos Humanos ocorridas naquela localidade durante a chamada 'Operação Paz no Campo', realizada desde o dia 19 de novembro, pela Delegacia de Conflitos Agrários do Sul do Pará – DECA . Desde então, milhares de camponeses estão sendo expulsos de suas terras, centenas foram presos sob acusações de serem partes de 'grupos de bandidagem' e 'bandos armados', tudo sob a cumplicidade silenciosa das principais autoridades do país, informadas do que ali ocorre.

O NAP vai utilizar o relatório para representações ao ministério público e demais instituições competentes até que a situação seja plenamente resolvida. A integra do relatório segue abaixo.

Relatório Preliminar sobre a situação no Sul do Pará

30 de novembro de 2007
Este relatório tem por objetivo divulgar as violações aos direitos humanos no Sul do Pará, constatadas após visita do Núcleo dos Advogados do Povo àquela região. Na ocasião da visita, as denúncias foram feitas pessoalmente diante do Ouvidor Agrário Nacional, Gercino José da Silva Filho, do representante regional da Defensoria Pública e de vários membros do INCRA-SR-27 (Marabá), entre eles o representante oficial da Superintendência Regional daquele órgão. Foram ainda tomados relatos de vítimas diretas e de militantes de sindicatos de trabalhadores rurais e direitos humanos.

Os fatos denunciados referem-se à 'Operação Paz no Campo', desencadeada desde o dia 19 de novembro, em que milhares de camponeses foram expulsos da terra e centenas foram presos sob acusações serem partes de 'grupos de bandidagem', 'bandos armados'.

Detalhes da ação policial

A chamada 'Operação Paz no Campo', promovida pela DECA - Delegacia de Conflitos Agrários do Sul do Pará, sob responsabilidade do Delegado Alberone Afonso Miranda Lobato que, segundo noticiado na imprensa, estava sendo gestada e executada, em fase de investigação, desde setembro do ano corrente, destinar-se-ia, oficialmente, a impedir a ação de bandos armados na região do Sul do Pará, embora se tenha, até o momento, poucas informações sobre os detalhes do seu planejamento.

O real espírito da operação foi de certa forma anunciado e preparado pela Revista Veja, n. 2033, de 07/11/2007, com a matéria 'Faroeste no Pará', de autoria de Leonardo Coutinho, a qual atribuía a violência no campo a movimentos de trabalhadores rurais, destacando-se a Liga dos Camponeses Pobres, e cobrava imediata repressão.

Um dos alvos da operação foi a Fazenda Forkilha, do falecido grileiro, fundador da UDR (União Democrática Ruralista), Jairo Andrade Bezerra, e notório mandante de assassinatos de posseiros e do advogado de camponeses Paulo Fonteles. Desde 06 de julho de 2007, a terra estava ocupada por mais de 1000 famílias camponesas que ali moravam, produziam e reivindicavam seu direito à terra. Anteriormente à ocupação, foram feitas várias reuniões, com a presença de dezenas de professores, sindicalistas
e ativistas sociais, além de audiências com autoridades do Judiciário e do INCRA. O próprio INCRA, após a ocupação, foi oficialmente à Fazenda Forkilha e ali cadastrou mais de 400 famílias para o Programa de Reforma Agrária.

Dos quatro atuais proprietários da Fazenda Forkilha, um deles estava disposto a negociar com o INCRA a solução do conflito, na presença dos próprios camponeses. Na operação, não havia mandados de reintegração de posse a serem cumpridos. Até porque, quando são planejadas ações policiais de cumprimento de liminar de reintegração de posse, são feitos vários procedimentos processuais e de mediação de conflito, entre eles a intimação pelo oficial de justiça, com prazo para desocupação; reuniões de negociação para busca de solução pacífica e definição do local para onde as famílias irão; mediação no local do conflito com a presença de representantes do Ministério Público, INCRA, IBAMA, ITERPA, e outros.

Nada disso foi feito. Na realidade, o que havia de ordem judicial para serem cumpridos seriam mandados de busca e apreensão, e posteriormente mandados de prisão, nada relacionado à posse da terra. Até porque, não seria nada fácil discutir a posse de terra relatadamente grilada.

A reintegração de posse deve ser apreciada judicialmente pela Vara Agrária. No caso da Forkilha, aqueles órgãos (INCRA, ITERPA, IBAMA) jamais se manifestaram nos autos nem sequer enviaram representantes para participar das audiências. Uma vistoria técnica na área já contribuiria para resolver o litígio, todavia nem isso foi feito. Participaram da ação repressiva tropas regulares e especiais da Polícia Militar do Estado do Pará, entre eles a tropa de choque Comando de Missões Especiais(CME); a Polícia Civil e o Exército Brasileiro. Grande parte dos (supostos) policiais estavam encapuzados, parte deles usavam uniformes com desenhos de caveiras e faziam os tradicionai gritos de intimidação 'vamos beber sangue', entre outros. Os carros da polícia invadiam as áreas camponesas e perseguiam homens, mulheres e crianças, visando causar-lhes pânico e terrorismo.

Os camponeses foram gravemente agredidos. Quando queriam agredir alguém de forma direcionada, chamavam o 'caveira', sendo conhecidos por 'caveira' os mais bárbaros e brutais agressores. As famílias inteiras foram despejadas apenas com a roupa do corpo, e até a presente data não lhes foi permitido retornar ao local para retomar seus pertences, não sabem que destino eles tomaram. Policiais disseram-lhes que fora tudo destruído. A maior parte das famílias despejadas foram para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Redenção, e ali estão em condições insalubres devido à impropriedade do local para abrigar tamanha quantidade de pessoas. Muitas pessoas desapareceram e continuam desaparecidas.

Foi denunciado ainda que um assessor da governadora Ana Júlia, no momento da desocupação, estava na sede da Fazenda Forkilha, para onde foram levados camponeses e diante dele foram espancados. No plano da operação, haveria uma lista de nomes de pessoas supostamente envolvidas com pistolagem na região. Das centenas de presos, nenhum deles eram dessa lista. Desse fato se conclui que estava previamente sendo planejada uma operação policial destinada a reprimir grupos de pistolagem ligados a grandes proprietários de terras, e que esta operação de fato foi executada contra abalhadores sem terra, sem nenhuma relação com esses grupos.

Corrobora esse entendimento o fato de que o arsenal de armas pesadas que foram divulgadas na imprensa (fuzis FAL, M-16 e Ruger, pistolas automáticas e escopetas, etc.) não foram encontradas nas áreas camponesas, mas na Fazenda Estrela de Maceió, onde fazendeiros treinavam jagunços (chamados pela imprensa de 'seguranças contratados'). Embora no geral a imprensa nacional tenha noticiado os fatos de maneira imprudente e caluniosa, a matéria em anexo, de Vasconcelo Quadros ("Polícia acha arsenal em fazenda", JB Online), demonstra aqueles fatos.
Prisões e torturas Mais de 200 pessoas foram presas e torturadas. Permanecem presas 31 pessoas, sendo 28 em Redenção e 3 em Conceição do Araguaia. Dos 31, alguns deles estão em vias de sofrerem acusações mais graves e serem tomados como reféns do latifúndio.

Os mandados de prisão preventiva existentes eram baseados em nomes e apelidos vagos, como "Azulão", "Pé de Ferro", "Buchada", sem nenhuma outra identificação, de modo que qualquer um dentre as centenas de famílias que se encontravam no acampamento poderiam se enquadrar dentre os nomes e características do mandado de prisão. Relato das torturas. Ingestão forçada de pimenta com sal e cebola, causando danos graves ao sistema digestivo. Introdução de cassetete no ânus.

Uma das pessoas teve a orelha inteiramente cortada de tanto levar pancadas na cabeça. Outra foi forçada a segurar uma granada aberta enquanto lhe agrediam, de modo se não entregasse outras pessoas, continuaria sendo agredido, e, se soltasse a granada, a mesma explodiria. Pessoas amarradas e arrastadas. Exposição pública das pessoas semi-nuas e em fila indiana. Os presos estão sendo mantidos em celas superlotadas, juntamente com os demais presos. Sofrem pressões tanto dos policiais quanto de outros presos. Está lhes sendo negado atendimento médico. Há mais mandados de prisão a serem cumpridos, o que deixa as famílias em apreensão constante. A operação de "caça" a trabalhadores continua. O defensor público regional ajuizou pedidos de relaxamento de prisão para 22 dos encarcerados, pedidos estes ainda pendentes de julgamento.

Conclusões

A imprensa tergiversa, ressalvadas raras exceções. O Ouvidor Agrário Nacional, Gercino José da Silva Filho, silencia. O INCRA-SR-27 (Marabá) silencia. As autoridades de Direitos Humanos do governo federal silenciam. O Presidente da república silencia. Todos em cumplicidade com a governadora do Pará, Ana Júlia Carepa, do PT.

Além de silenciarem, várias dessas autoridades, como o Superintendente Regional do INCRA, recusam-se a atender representantes dos trabalhadores e seus advogados, fazendo uso de suas secretárias e ainda não atendendo chamadas ao identificá-las. O INCRA e ITERPA são inoperantes no Sul do Pará, há muitas promessas de vistoria que não se concretizam, bem como não tomam conhecimento quanto a pedidos de informações quanto ao registro imobiliário, georeferenciamento, e outras solicitações para que se manifeste quanto à autenticidade de títulos e cadeia dominial, referente a áreas informadas (e até ocupadas) pelos movimentos sociais organizados, apontadas como áreas improdutivas e com violações de direitos trabalhistas e ambientais, no entanto nada é feito.

Mais uma vez, uma operação estatal supostamente destinada a combater a violência no campo (violência esta que atual e historicamente é originada pelos grandes latifundiários e grileiros), revela-se de fato como uma operação para prender, agredir e perseguir os próprios camponeses pobres. Assim reveladas tais operações repressivas, muito ao contrário de promover a paz, são elas mesmas parte da violência contra o povo, ou seja, o auxílio militar do Estado à classe latifundiária para dar-lhe reforço e para dar legitimidade, institucionalidade, a essa violência.

Núcleo dos Advogados do Povo – NAP - Brasil

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